OMBUDSMAN
Agora falando sério
Polêmica sobre biografias está desequilibrada, com muito espaço para críticas aos ídolos da MPB, que se esquivam ao debate público
Os compositores, aliados a Roberto Carlos e seu antigo parceiro Erasmo, Milton Nascimento e Djavan, formaram a associação Procure Saber para defender interesses de classe e também os direitos do biografado e de seus herdeiros.
A legislação preserva a liberdade de expressão, mas, ao mesmo tempo, permite que uma celebridade proíba uma obra que "lhe atinja a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou que se destine a fins comerciais". Foi o que fez Roberto Carlos ao impedir a circulação de um livro sobre sua vida há seis anos.
A Associação Nacional dos Editores de Livros, com o apoio de dezenas de intelectuais, tenta mudar a situação atual através de uma ação no Supremo Tribunal Federal. Também há um projeto de lei tramitando na Câmara.
Para rebater a acusação de que seria a favor da censura, o Procure Saber afirma que não quer proibir nada, mas discutir formas de preservar a privacidade dos famosos.
Os artistas não aceitam o argumento de que quem se sentir incomodado por uma biografia pode entrar na Justiça pleiteando indenização. Dizem que, no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, as penas do Judiciário não são altas a ponto de terem um caráter punitivo ou compensatório.
Do lado dos que defendem a liberdade de expressão dos escritores, não falta gente querendo falar. Na quarta-feira, a "Ilustrada" publicou uma longa carta aberta a Caetano Veloso, escrita pelo americano Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector. Ele defendeu que a liberdade ou é absoluta ou não existe, comparou Caetano a um "velho coronel" e o incitou a voltar para o "lado do bem".
Em discurso na Feira de Frankfurt, o escritor Laurentino Gomes disse que impor restrições a biografias é "engessar a História e tirar dela o seu componente mais encantador: a complexidade e a incerteza que envolvem seus personagens".
Desde 2007, a Folha já publicou sete editoriais sobre o tema, sempre defendendo a mudança na lei. "É ainda curioso --e triste-- que artistas censurados e críticos desse modus operandi' típico das ditaduras pretendam, em plena democracia, tornar-se censores", acusa editorial de terça-feira.
O difícil é encontrar porta-vozes do outro lado, entre os que defendem a manutenção da legislação. Até sexta-feira, dos sete grandes do Procure Saber, só Djavan tinha dado uma declaração. Em nota enviada ao "Globo", diz ser a favor da liberdade de expressão, mas afirma não ser justo que "editores e biógrafos ganhem fortunas enquanto aos biografados reste o ônus do sofrimento e da indignação".
Coube à empresária e produtora Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, o duro papel de explicar a posição dos músicos. Foi a partir de uma entrevista dela à "Ilustrada" que a controvérsia começou.
Paula acusa a Folha de distorcer suas declarações, que foram dadas por escrito e complementadas por telefone. Estaria errado traduzir a posição do Procure Saber simplesmente como defesa da censura às biografias, porque o que a associação propõe é que "direitos e obrigações sejam equânimes".
Não fica claro o que isso quer dizer, mas o debate está obviamente desequilibrado. Há muito mais espaço para a crítica aos artistas, chamados de traidores, censores, obscurantistas e mercenários.
A culpa pela assimetria não é do jornal. A Folha abriu espaço para quem quisesse defender opinião oposta à sua, mas os ídolos da música popular preferiram o silêncio.
Procurei a assessoria de todos ao longo da semana. Chico Buarque está escrevendo um livro em Paris. Gil foi para a Itália, Djavan também viaja. Caetano prefere escrever a respeito na sua coluna do "Globo". Milton Nascimento não quis falar. Erasmo Carlos grava um novo álbum. E o "rei" Roberto Carlos não respondeu ao pedido de entrevista.
Esquivando-se ao debate público, os artistas permitem que se pergunte "o que será que será/ que andam sussurrando/ em versos e trovas?/que andam combinando/ no breu das tocas?".
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