Tratamento desenvolvido nos EUA com participação de pesquisador brasileiro será testado em humanos em 2014
Anticorpos neutralizam capacidade do HIV de se ligar às células, reduzindo a carga viral a níveis indetectáveis
Infusões dos "superanticorpos" clonados a partir do material colhido de humanos conseguiram reduzir, em uma semana, a carga de HIV a níveis indetectáveis em um grupo de macacos resos.
Esse controle da carga viral, no entanto, não foi duradouro na maioria deles: dois meses após a aplicação da terapia, em média, o número de vírus em circulação voltou a crescer na maioria dos macacos. O controle só permaneceu nos que já tinham uma carga viral mais baixa desde o início do estudo, o que sugere uma ação conjunta do sistema imune dos animais e dos "superanticorpos".
EM HUMANOS
Segundo Michel Nussenzweig, pesquisador brasileiro que é um dos líderes do grupo responsável por esses trabalhos, o tratamento será testado em humanos no início de 2014, nos EUA. Serão 75 voluntários, e os primeiros resultados devem ser obtidos em julho ou agosto.A existência desses anticorpos poderosos já é conhecida há anos pelos pesquisadores. Eles se tornaram o objeto de estudo do brasileiro especialista em imunologia.
"Eu sabia que algumas pessoas conseguiam fazer anticorpos poderosos, mas não havia como cloná-los. Desenvolvi um método para isso que é muito eficaz."
Nussenzweig, 58, é pesquisador da Universidade Rockefeller, nos EUA. Filho de cientistas que se dedicam a estudos sobre malária, Victor e Ruth Nussenzweig, Michel mora nos EUA desde 1964, quando seus pais foram para a Universidade de Nova York.
Em 2012, ele publicou, também na "Nature", um estudo demonstrando a eficácia do uso desses "superanticorpos" em roedores geneticamente modificados.
Agora, após levantar US$ 10 milhões (a maior parte com a Fundação Bill e Melinda Gates), Nussenzweig aguarda o início dos testes em humanos.
COMO FUNCIONA
Segundo o pesquisador, os anticorpos atacam o vírus exatamente na região da sua superfície que permite sua ligação com as células CD4. Essa ligação é que permite que o vírus invada a célula e se multiplique."O anticorpo bloqueia a capacidade do vírus de entrar na célula", disse Nussenzweig àFolha, por telefone, do Rio. Ele participou, nesta semana, de uma conferência da fundação Gates no Brasil.
A ação dos "superanticorpos" é, portanto, diferente do mecanismo das drogas antirretrovirais usadas hoje. Elas agem quando o vírus já está dentro da célula, impedindo sua replicação.
Mas uma coisa os "superanticorpos" e os antirretrovirais têm em comum: é mais vantajoso usar mais de um tipo de cada um deles para evitar que o vírus, que tem grande capacidade de mutação, se torne resistente e drible os ataques.
Hoje, o coquetel anti-HIV usa três drogas. Os testes com macacos usaram um ou dois tipos de "superanticorpos".
De acordo com Esper Kallás, professor de imunologia clínica e alergia da Faculdade de Medicina da USP (não envolvido com o estudo), esse tratamento pode vir a ser usado em associação com os antirretrovirais atuais em pacientes com resistência aos remédios, por exemplo.
Outra opção seria usar os anticorpos em momentos-chave, como na hora do parto ou logo após um contato acidental com o vírus, como um estupro. A grande desvantagem é o custo: o anticorpo é muito mais caro do que os antirretrovirais.
"Se desse para induzir o organismo a produzir esses anticorpos continuamente, você teria uma vacina."
Segundo Nussenzweig, descobrir como algumas pessoas produzem esses "superanticorpos" poderá dar um mapa aos cientistas para produzir uma imunização.
"Todas as vacinas que temos até hoje foram feitas copiando a natureza. No caso do HIV, ainda não conseguimos fazer isso, porque não sabemos como esses anticorpos são feitos."
Ainda não há opção a macaco, dizem cientistas
DA EDITORA DE "CIÊNCIA+SAÚDE"Até agora, não há alternativa aos uso dos macacos para checar se novos tratamentos contra o HIV são seguros o suficiente para serem testados em humanos, segundo Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da USP.Em breve, uma vacina contra o HIV desenvolvida no Brasil começará a ser aplicada em macacos resos no Instituto Butantan.
Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller, que usa macacos resos em seus estudos, afirma que animais não devem ser usados em pesquisas quando há alternativas.
"Não acho que animais devam ser usados para testar cosméticos. Só quando não houver escolha e quando a pesquisa tem a chance de beneficiar as pessoas."
O roubo de 178 beagles do Instituto Royal, em São Roque, há quase duas semanas, trouxe o tema da pesquisa em animais à tona. O laboratório usava as cobaias para estudos com medicamentos contra câncer, entre outros.
"Infelizmente, não teria outra forma de fazer esse estudo [sobre HIV] sem os macacos. Levo isso muito a sério. Não podemos abusar dos animais. Tentamos criar as condições mais humanas possíveis durante os testes."
Segundo Kallás, pesquisador nenhum gosta de sacrificar animais, mas é preciso pesar custo e benefício.
"São 35 milhões de pessoas com HIV no mundo. Até hoje, quantos macacos foram usados em pesquisas? Um número infinitamente menor. Ninguém gosta de testar macaco. Mas quais são as prioridades da saúde pública brasileira e mundial?"
O professor de imunologia da USP, que realiza pesquisas com seres humanos, afirma que a regulamentação brasileira já é bem rigorosa para os testes com animais e com pessoas.
Para ele, a demora na aprovação dos testes clínicos chega a ser excessiva. "O rigor aqui é maior do que lá fora. Acabamos sofrendo com isso, demoro um ano e meio para aprovar um teste clínico."
Kallás afirma que quem faz pesquisa no Brasil hoje está "esmagado" entre o debate da sociedade sobre o uso de cobaias e a burocracia necessária para aprovar os testes.
"Esses movimentos [contra pesquisa em animais] já aconteceram na Europa e nos EUA há 20 anos. Sempre tem alguém que acha que salvar um coelho é mais importante do que salvar uma pessoa."
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