Deixo o jornalismo pela proctologia
Alguém sabe quando serão abertas as próximas matrículas do Senac para o curso de acupunturista?
Tenho um cacoete em comum com o tapuia que reclama do Brasil com o distanciamento de quem nasceu na longínqua Tuvalu. Você o conhece, não? É aquele camarada que adora começar frases com: "Só no Brasil..."
Pois eu padeço de mal semelhante. Falo de jornalistas como se eu fosse, digamos, dentista. Ou baterista, eletricista, anestesista, em suma, qualquer outra coisa menos alguém que está empenhada em tentar entender o fenômeno "black blocs".
Em tentar verificar que pode até haver neonazista infiltrado no grupo, mas que é piada comparar a resistência pacifista de Martin Luther King ao ativismo de Malcolm X para defender a ideia de que a militância domingueira de calçadão do Sou da Paz seja válida, enquanto a estratégia de quebra-quebra de símbolos do capitalismo empreendida pelos jovens desta geração de excluídos da globalização não seja.
O fenômeno nem é novo, vem da Europa, anos 90, trazido por quem se enxerga como vítima de uma violência invisível, a do mercado globalizado dominado pelos grandes conglomerados.
Em Seattle, Bruxelas e Bolonha eles são "manifestantes". E aqui, sem separar o joio do trigo, nós os chamamos de "vândalos". Pois não adianta agora o ministro da Secretaria-Geral da presidência, Gilberto Carvalho, convidar "black blocs" para tomar um cafezinho. A bronca dessa turma não é com o governo. Problema deles é: 1) sociedade de consumo e 2) sustentabilidade. Chegamos até aqui, promovemos bem estar, tecnologia, saúde, saber e, mesmo assim, destruição, desigualdade e ganância continuam a prevalecer. A contracultura raivosa quer usar a violência para apontar onde está a verdadeira violência. Tratá-los como foras da lei só vai fazer reforçar o mal-entendido.
Veja outro exemplo da imprensa ir achar passarinho cantando em toca de raposa (ainda lembrando de que se trata de uma proctologista ou maquinista falando): nesta semana, a bem-humorada "Forbes", que sobrevive de compilar listas com a mesma credibilidade do ranking de seleções da Fifa, afirmou que o russo Putin ultrapassou Obama no ranking dos líderes mais poderosos.
Ah, tá. Aquela caricatura de Yul Brynner, de um dia para o outro, deixou para trás o arsenal bélico, o gigantismo da economia e todo o poderio de conhecimento e pesquisa norte-americanos? Tudo bem, eu sei que os russos são um azougue energético, mas vamos e venhamos. Enquanto os EUA tiverem uma máquina de propaganda chamada Hollywood, ainda seguram os corações e mentes de muitos, yes?
Quer mais um exemplo de santa ingenuidade dessa turma que hoje cobre guerra a partir do ar condicionado de centro de imprensa? Não é que o pessoal entrou na onda do vasculhado e passou a tratar com suprema indignidade o fato corriqueiro de que os EUA investigam e sempre investigaram as comunicações de líderes mundiais? Que mimimi é esse?
O cerne da questão é outro inteiramente, esse, sim, de suma importância: o problema é que o governo norte-americano insiste em tratar como criminosos os jornalistas que divulgam informações sobre suas atividades ilegais.
Em um mundo que se acostuma a conviver com câmeras que flagram quem tira meleca do nariz no elevador, ou seja, em que a privacidade foi para o beleléu, há uma onda perniciosa que ainda tenta abafar a informação. Parta ela da maior potência do mundo ou de artistas decrépitos. E os jornalistas, veja só, ainda não entenderam bem de que lado devem estar.
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