Mamar, abraçar, beijar
A biologia anda empenhada em elucidar o que se chama de natureza humana --ou será natureza mamífera?
É BEM robusta a correlação entre maus-tratos ou abandono na infância e adultos que se tornam ansiosos ou antissociais. Quem conviveu com jovens adotados tardiamente sabe bem do que se trata.Essa associação parece algo bem básico na chamada natureza humana. Seria bobagem, contudo, sair procurando genes para esse traço comportamental, pois obviamente está em jogo um impacto do ambiente (criação) sobre as predisposições com que o indivíduo vem ao mundo.
Os primatologistas Frans de Waal e Zanna Clay estranharam a ausência de estudos sobre essa correlação em macacos. Se estamos diante de algo tão fundamental, é provável que tenha raízes ancestrais e possa ser observado também em nossos parentes mais próximos.
Waal e Clay se concentraram nos bonobos (Pan paniscus), aqueles chimpanzés miúdos que têm a fama de ser mais amorosos que seus primos corpulentos (Pan troglodytes). Em artigo na revista "PNAS" da semana passada, eles contam o que viram num santuário primata da República Democrática do Congo.
Órfãos bonobos, em geral resgatados após a morte das mães por caçadores, recebem ali cuidados individuais de mulheres tratadoras. Os adotados se revelaram menos propensos a consolar outros jovens que sofressem reveses (como apanhar numa briga) na sua frente.
Já os bonobos criados pelas próprias mães agem de maneira diferente. Quase sempre estão prontos a abraçar, acariciar e beijar os colegas que se acham na pior.
A carga emocional de experiências precoces de vida deixa marcas indeléveis também nos macacos. Mesmo quem considera duvidosos os paralelos entre primatas e humanos pode ver aí que Sigmund Freud parece ter topado com um continente que lhe foi impossível mapear, por falta dos meios adequados.
Que marcas seriam essas? Meras representações mentais ("complexos") não se qualificam como explicações científicas satisfatórias, pela dificuldade de testá-las. Como a cavalaria da genética não pode ser chamada em socorro, há pesquisadores empenhados em convocar uma sua parente, a epigenética.
Esse ramo da biologia molecular estuda não os genes, mas um sistema de marcações que se sobrepõe às longas fitas enroladas dos cromossomos. Certas moléculas se acoplam a trechos específicos do DNA compactado e dificultam seu desenrolamento, pela célula, para uso da informação neles contida. O gene está ali, mas também não está.
A hipótese é que as marcações adquiridas sejam o veículo para o ambiente influir na produção de certos hormônios ou neurotransmissores, por exemplo. Informações determinantes transmitidas entre gerações, mas não por meio de genes.
Isso começou a ser estudado não com primatas, mas com roedores. Em 2004, Michael Meaney e Moshe Szyf, da Universidade McGill (Canadá), mostraram como os filhotes de ratas que os lambiam muito se tornavam adultos menos estressados e tinham mais receptores glucocorticoides, importantes na modulação de hormônios do estresse.
Não importa se você é primata ou roedor. Se quiser ter filhos de bem com a vida, beije-os e abrace-os muito, em especial quando bebês.
Óbvio, não? Bem, a ciência biológica anda mesmo empenhada em elucidar o que o senso comum chama de natureza humana --ou será melhor dizer natureza mamífera?
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