domingo, 20 de outubro de 2013

Um evento de vanguarda - Aracy Amaral

folha de são paulo
Em fins de 1972 já se podia perceber que muitos artistas plásticos faziam experimentações com novos meios: audiovisuais, super-8, 16 mm e som, e não apenas trabalhos conceituais ou com pintura, desenho, gravura, performance.
Considerei que seria uma boa ideia reunir esses artistas num evento para que pudessem apresentar seus trabalhos. Comecei relacionando aqueles que já conhecia em São Paulo e, por correspondência com Hélio Oiticica (que estava em Nova York) e Antonio Dias (em Milão), procurei saber quais outros criadores estavam trabalhando nessas especulações.
Assim surgiram, além deles, artistas como Raymundo Colares, então em Trento, Iole de Freitas, Anna Maria Maiolino e Cildo Meireles.
Em São Paulo, Marcello Nitsche já manejava o super-8, além de Gabriel Borba Filho, Donato Ferrari, Fridman. Mario Cravo Neto, na Bahia, também participaria.
Devi muito a Marcio Sampaio, crítico de Belo Horizonte, para trazer ao evento alguns mineiros. Mauricio Andrés nos brindou com o sensual "Lama". Já o goiano Paulo Fogaça nos surpreendeu com o "Bicho Morto".
Era tempo de regime militar, e eram perceptíveis as alusões políticas disfarçadas alegoricamente: no corpo, na poesia, as improvisações criadas por cada um tinham um sabor que hoje, por certo, chamarão a atenção das novas gerações.
Consegui então o patrocínio do Banco Novo Mundo e a participação da Fotóptica, para a parte de equipamentos. E onde realizar o evento? Desejava um espaço neutro, nem museu nem galeria.
Procurei Abrão Berman, que tinha, na rua Estados Unidos, quase esquina da Melo Alves, um centro de formação para os que se iniciavam com o super-8, o Grife (Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais). Ele acolheu de imediato a ideia, que se realizou em junho de 1973.
Acervo Pessoal
Capa do catálogo da ExpoProjeção 73
Capa do catálogo da ExpoProjeção 73
ExpoProjeção73 foi um nome híbrido, proposital, para o evento. Posso dizer que foi um sucesso. Pude realizar, graças ao patrocínio, um catálogo bilíngue que teve o logotipo e o desenho gráfico de Claudio Tozzi e Julio Abe Wakahara, com impressão gráfica a cargo do editor Massao Ohno.
Resultou em programação diária de sete dias. Havia fila para entrar na Grife, tal a afluência ao evento.
O crítico Romero Brest, da Argentina, escreveu sobre a exposição na revista "Vision" e chamou a atenção de Jorge Glusberg, diretor do Centro de Arte y Comunicación de Buenos Aires, que apresentou uma síntese do evento em dezembro de 73.
Em época sem internet e sem assistentes, o trabalho de contatar artistas, datilografar cartas, preparar conteúdo do catálogo e solicitar patrocínio foi feito na garra. As cartas levavam cerca de uma semana para os Estados Unidos e de oito a dez dias para a Europa.
Às vezes havia um contratempo. Uma carta para Oiticica seguiu para Milão, e a destinada a Dias, para Nova York. Mas eles trocaram a correspondência e nada de grave ocorreu! E assim seguiu célere o preparo da exposição.
Hoje, para celebrarmos os 40 anos do evento no Sesc Pinheiros, os audiovisuais foram remasterizados.
O esforço agora foi tentar localizar os trabalhos, muitos extraviados, e os autores, um a um, em trabalho paciente. A ideia de comemorar os 40 anos do evento foi do produtor de vídeo Roberto Moreira S. Cruz, que apresentará uma síntese de vídeos no Brasil, de 1974 até hoje. E a Cinemateca participou na recuperação e/ou limpeza dos super-8.
E que tal expor arquivos do evento de 1973, registro de como se organizou há 40 anos um evento de vanguarda?
Nota: A ExpoProjeção 1973/2013 será realizada no Sesc Pinheiros entre quarta (23/10) e 12/1. A entrada é franca.
ARACY AMARAL, 83, é curadora e crítica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário