Alerta preto
Após 20 anos, os acontecimentos de junho deflagraram novo ciclo de lutas sociais no Brasil. A partir das grandes demonstrações daquele mês, os mais diversos movimentos têm ido para as ruas, numa busca ativa de avançar pautas específicas. De moradores sem-teto a protetores dos animais, passando por grupos ligados a temas de comportamento e inúmeras corporações profissionais, uma corrente elétrica parece ter acendido até os mais inesperados círculos da sociedade.
Do ponto de vista democrático, a mobilização é positiva, pois significa maior participação, o que tende a aumentar a qualidade da política. Porém, diferentemente do que ocorreu nos anos 1980, a onda reivindicativa veio acompanhada de formas violentas. É preciso enfrentar o fenômeno de maneira realista, sob pena de fechar espaços de progresso em lugar de abri-los.
Por isso, foi correta e corajosa a declaração do ministro Gilberto Carvalho, para quem é preciso dialogar com os "black blocs". Não se trata de postura ingênua, no sentido de conversar com quem não quer conversa, pois deseja mesmo quebrar. É óbvio que atitudes violentas precisam ser coibidas de acordo com a lei, venham de onde vierem. Mas o Estado não pode ficar refém de uma visão simplificada do problema, sob pena de contribuir para uma espiral confrontacionista, que é fácil perceber como começa e impossível dizer como termina. É prioritário buscar uma ação inteligente antes que o caldo entorne.
Certo diagnóstico simplista enxerga uma horda de jovens vândalos, oriunda de algum planeta distante, à qual se poderia conter e eliminar usando a força bruta. A ciência social, porém, mostra que os mascarados são expressão de profundas contradições brasileiras, as quais, por sua vez, incorporam de maneira singular problemas mais gerais da época. O preço de fechar os olhos a tal realidade será o de ver surgirem repetidas vagas de barbárie, o que, em uma sociedade fortemente desintegrada como a brasileira, é a senha para soluções regressivas.
Também não se trata de responsabilidade apenas do Estado. As correntes políticas que apostam na democracia precisam ajudar a entender o solo de onde estão saindo os "black blocs" e dialogar com o público em volta deles, bem como suscitar programas que respondam às demandas que lá estão. Sabe-se, por exemplo, que há uma revolta juvenil contra os excessos dos órgãos de repressão, sobretudo na periferia das cidades. Acentuar tal disputa só vai piorar o quadro.
Apesar de inúmeras dificuldades, a democracia aqui construída nos últimos 25 anos é avançada e permite avanços. Não vejo risco de regressão autoritária, mas temo que a violência enrijeça os canais ascendentes de participação, em lugar de abri-los ainda mais.
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