EDUARDO LEVY
Provedor de internet pode favorecer acesso a site?
Uma ameaça à inclusão
SIM
À semelhança de um imóvel, cuja localização, tamanho, acabamento e preço determinam condições de aquisição diferentes para o comprador, a internet hoje oferece pacotes variados de acesso.
E, assim como o governo federal possibilita uma melhora de vida para milhões de brasileiros com o programa Minha Casa, Minha Vida, a internet permite o acesso de usuários que estão se iniciando na rede por meio de pacotes básicos.
Mas essas ofertas estão em risco com a atual proposta de texto do Marco Civil da Internet. Restarão apenas ofertas sofisticadas.
Trata-se de um projeto elitista, coberto por um manto atraente e popular que passa a falsa ideia de que nós, que fazemos todos os investimentos na rede que dá suporte à internet, somos contra a navegação livre e neutra.
Hoje, a população tem um oceano para navegar. Ela pode adquirir um pacote irrestrito, com direito a acesso total, inclusive baixar filmes e músicas. Ou um pacote com velocidade e quantidade escolhidas pelo cliente, que, quando consumidas, mantém o acesso, mas com a velocidade ofertada pela rede no momento do uso.
Há também um pacote pré-pago --com alguns poucos reais, pode-se acessar a internet e, ao se esgotarem os créditos, a conexão é interrompida. E ainda existe o pacote básico de voz em um smartphone, com acesso gratuito a redes sociais.
Faço ao leitor algumas perguntas. Devemos continuar ofertando planos como esses? Esses planos devem ter preços diferentes? Qual seria o mais caro? E qual seria o mais barato? O atual texto da proposta veda a possibilidade de ofertas diferenciadas, pois pressupõe que todos os usuários tenham os mesmos desejos e necessidades, só restando a possibilidade de uma única oferta, sem restrições.
Se a lógica dessa proposta elitista fosse aplicada ao mercado imobiliário, seria o fim de iniciativas como o Minha Casa, Minha Vida. Mais do que querer que todos morem em casas do mesmo tamanho, estabelece que seja sempre a maior.
No caso dos nossos internautas, só poderemos fazer uma oferta: a do pacote irrestrito. E novamente pergunto: que resposta nosso atento leitor deu para a pergunta sobre qual pacote seria o mais caro? E a qualidade das ofertas? Se forem planos diferenciados, a qualidade também deverá variar?
A qualidade do acesso à internet já está garantida em regulamentação da Anatel e vem sendo aferida e divulgada mensalmente, com base sempre no mesmo critério, qualquer que seja o plano contratado. Trata-se de iniciativa inédita no mundo.
Nós, as teles, prestadoras do serviço, estamos realizando um dos maiores programas de inclusão social do mundo: disponibilizamos o acesso em banda larga a serviços e conteúdos para milhões de brasileiros em praticamente todos os municípios, realizando vultosos investimentos com recursos privados, sem nenhum centavo público.
Hoje, a cada segundo, um novo acesso em banda larga à internet é ativado no país. Esperamos que continue assim, pois já temos 120 milhões de acessos à internet.
E o que precisamos, no nosso país, com uma Constituição que afirma que a iniciativa privada é um dos seus pilares, que a concorrência e a oferta são livres, é ter a liberdade de continuar a oferecer para toda a sociedade o que ela deseja, e não aquilo que poucos acreditam que seja a sua necessidade.
Nossa visão é mais pluralista, mais democrática, mais inclusiva e mais acessível, principalmente para quem agora começa a descobrir na internet uma forma simples e poderosa de se desenvolver e exercer, mais ainda, a sua cidadania.
ALESSANDRO MOLON
Provedor de internet pode favorecer acesso a site?
Fura-fila
NÃO
Imagine entrar na internet e ter que se restringir apenas à leitura e ao envio de e-mails. Afinal, é o que o seu contrato e seu bolso permitem. Quando você clica para ver um vídeo, seja de entretenimento ou de ensino, uma mensagem alerta que ele não pode ser exibido. Redes sociais e jogos on-line são exclusividades do pacote superior.
Fazer ligações gratuitas pela web, então, nem pensar, pois a internet completa é luxo para os poucos privilegiados que podem pagar, especialmente considerando que este serviço, de Voz sobre IP (VoIP), é concorrente das empresas telefônicas, as mesmas que detêm os cabos usados para a conexão à internet.
Depois de finalmente conseguir fazer um upgrade para ter direito a sites, você percebe que alguns endereços carregam mais rapidamente que outros. O modesto blog que você gosta de ler faz parte do grupo de endereços que têm que aguardar um longo tempo na fila até ser carregado na tela do computador.
Já outros sites maiores que têm acordos comerciais com provedores de conexão são acessíveis num piscar de olhos. O segredo é o pagamento de uma taxa extra, que permite que a fila seja furada, como um carro que aluga uma sirene para poder ultrapassar os demais veículos num eventual engarrafamento e chegar mais rapidamente ao seu destino.
Essa rede desfigurada é um retrato possível do sombrio futuro da web no Brasil caso a neutralidade da rede não seja preservada integralmente no Marco Civil da Internet.
Por mais de um ano, provedores de conexão têm conseguido impedir a votação do projeto na Câmara dos Deputados, pressionando contra a garantia de uma rede defensora dos direitos dos internautas e neutra --isto é, que não fraciona o acesso a conteúdos em blocos pagos separadamente.
O plano deles é colocar em prática o fatiamento da internet, num modelo semelhante à TV por assinatura, e cobrar preços abusivos pela experiência completa que já temos hoje. Desejam, também, ampliar seus negócios às custas da liberdade de escolha dos usuários, ao priorizar o acesso a determinados sites em detrimento de outros.
A neutralidade é o coração não só do projeto, mas da internet como a conhecemos. Numa rede neutra, a transmissão das informações deve ser isonômica: sem discriminação por origem, destino ou conteúdo dos pacotes de dados.
A quebra dessa igualdade pode traduzir-se em menos brasileiros conectados à experiência integral da internet, na contramão dos avanços recentes. O aumento de 9% no número de usuários registrado no primeiro trimestre deste ano em comparação com o trimestre anterior, computado pelo Ibope, pode se tornar coisa do passado. A exclusão digital bate à porta.
É inadmissível, portanto, que os mais de 100 milhões de internautas brasileiros continuem desprotegidos por conta da oposição de um único setor econômico. O projeto do Marco Civil da Internet é um equilíbrio entre todos os atores envolvidos. Além de garantir a neutralidade, ele protege fortemente a privacidade dos usuários e a liberdade de expressão, sendo considerada a melhor proposta de legislação para a internet no mundo.
A Câmara dos Deputados tem o dever de aprovar e oferecer ao Brasil essa lei, que possibilitará uma rede mais segura, mais livre, mais aberta e mais democrática. Que, no debate pela aprovação, ela não perca de vista o maior interessado nessa discussão: o cidadão brasileiro.
Pois vale lembrar: a democracia vai passar cada vez mais pela internet, e o futuro da internet depende da neutralidade da rede.
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