Tchau, sessão da tarde
No ar desde 1974, atração da Globo está ameaçada de extinção; filmes em TV aberta perdem público
Pois está para acabar uma das poucas certezas que temos na TV: a de que mais dia, menos dia veremos de novo Matthew Broderick colocando Chicago para dançar ao som de "Twist and Shout".
Os pacotes de filmes devem perder espaço na programação das emissoras abertas.
Alvos da concorrência da TV paga, da pirataria e dos serviços de vídeo sob demanda, sessões de filmes da Globo, da Record e do SBT perderam quase a metade de seu público de 2006 para cá.
A média da "Tela Quente" da Globo era de 34,1 pontos em 2006. Neste ano, a sessão de filme da segunda-feira acumula média de 19,8 pontos. Cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande SP.
Mas o inquilino pronto para ser despejado da grade da Globo é a "Sessão da Tarde". A faixa vespertina do canal é a que mais perdeu telespectadores nos últimos dez anos.
É cada vez maior o coro, na Globo, para que o sanduíche "Vídeo Show", "Vale a Pena Ver de Novo" e "Sessão da Tarde" ganhe outro recheio.
Além de alterar o "Vídeo Show", que a partir de novembro terá Zeca Camargo no comando, a Globo estuda tirar a "Sessão Tarde" do ar. Ao ser perguntada, a emissora não nega e diz que "analisa sua grade de forma permanente". Um outro horário de reprises de novelas e uma atração ao vivo são cotados para a faixa.
A rede, que tem contratos com as distribuidoras Fox, Disney, Paramount e Sony, afirma que os filmes representam hoje 10% de sua programação e atribui a queda de audiência ao aumento de renda das famílias brasileiras, o que permite mais idas ao cinema e acesso a serviços pagos que oferecem filmes.
Outro que pode abandonar um curinga é o SBT. Dono de um dos melhores pacotes entre os canais abertos, pretende não renovar o contrato de exclusividade dos filmes e desenhos da Warner Bros.
Silvio Santos, que tem acordo com a produtora americana há 14 anos, já negocia um pacote mais em conta e menor. A Warner quer R$ 40 milhões anuais pelo seu conteúdo, que alimenta as principais sessões de filmes do SBT. Dele é que vem a série de longas do Harry Potter.
Não há mágica que salve a audiência dos filmes. O SBT viu seu "Cine Espetacular" passar de 11,7 pontos em 2006 para 6,7 em 2013.
Na Record, nem o investimento pesado em blockbusters como "Avatar" salvou o ibope da "Tela Máxima". Em 2006, o horário de filmes marcou média de 10 pontos. Neste ano, está na casa dos 5,6.
Para Helios Alvarez, diretor de vendas da Sony, filmes ainda têm relevância na TV aberta e é preciso analisar a queda de audiência em outros programas também.
"Apesar do crescimento da TV paga no país, 70% dos domicílios não a tem. Toda vez que surge um negócio novo, falam que o outro vai acabar. Não é assim", diz Ricardo Rubini, vice-presidente de distribuição da 20th Century Fox. Segundo ele, as emissoras não estão comprando menos pacotes de filmes ou preferindo pacotes mais baratos. "Elas estão mais seletivas, porque nem tudo funciona em termos de audiência como antigamente".
ANÁLISE
Bom mesmo era não ter nada para fazer depois do almoço
'Sessão da Tarde' distraiu seguidas gerações adolescentes jogadas no sofá
Cada um tem sua lembrança particular da "Sessão da Tarde". É uma questão de idade. Em comum, aquela boa sensação adolescente de não ter muito mais para fazer entre o almoço e o jantar.
Quem tem hoje 50 anos viveu seu período mais intenso de prostração televisiva nos anos 1970. Conhece todas as comédias de Jerry Lewis e provavelmente acha que "O Terror das Mulheres", "Ou Vai ou Racha" e "Errado pra Cachorro" são as melhores.
Sabe quem são Poca Cuca e Eric Von Zíper, que eram os tipos divertidos da turma da praia de "Como Rechear um Biquíni", "Quanto Mais Músculos Melhor" e outros clássicos. E chorou com "A História de Elza", a leoa criada feito pet pelos zoólogos bacanas.
Já aqueles que entram agora na casa dos 30 passaram tardes dos anos 1990 vendo filmes da década anterior --é bom ressaltar que na época os lançamentos de cinema levavam muito tempo até chegar à TV, primeiro em horário nobre e, alguns anos depois, nas reprises vespertinas.
A programação da memória afetiva dos trintões tem "Goonies", "De Volta Para o Futuro" e "Quero Ser Grande".
Para não parecer que o mundo da "Sessão da Tarde" era só fofura, naquela época também apareciam na TV depois do almoço os anabolizados Chuck Norris, Schwarzenegger, Van Damme e Sylvester Stallone --este alternava suas cicatrizes, concentradas no rosto de Rocky Balboa ou espalhadas pelo corpo de John Rambo.
Quem mal passou dos 20 se lembra de filmes recentes que ainda não podem pleitear status de clássicos. No máximo, são lembrados pela presença de Lindsay Lohan no elenco, ainda menininha e antes de sua fase rehab.
Não ver mais a "Sessão da Tarde" provoca uma melancolia que pode não ter relação com os filmes, sejam eles de qualquer geração.
As pessoas sentem falta de um tempo em que não passavam a tarde em escritórios, lidando com colegas que puxam seus tapetes, cartões de crédito que insistem em estourar, índices de colesterol e uma dor chata nas costas.
É a saudade do sofá.
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