FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Tão útil e revelador quanto irritante, o recurso de preenchimento automático do maior site de buscas do mundo costuma sugerir ao usuário uma lista dos termos mais procurados associados às letras ou palavras digitadas no campo de pesquisa.
Ao digitar "women shouldn't" (mulheres não devem, em inglês) no Google, o publicitário Christopher Hunt levou um susto.
A ferramenta de autocompletar do site sugeriu frases como "mulheres não devem ter direitos", ou "trabalhar" ou ainda "votar".
"Quando fizemos estas pesquisas, ficamos chocados com o resultado negativo das buscas mais populares do site e decidimos que tínhamos de fazer algo a respeito", disse Hunt, diretor de arte da agência de publicidade Ogilvy & Mather, em Dubai, nos Emirados Árabes.
Essa e outras três pesquisas genuínas feitas no Google (com os termos "mulheres não podem" e "mulheres devem", sempre em inglês) serviram como base para a nova campanha do braço da Organização das Nações Unidas para a igualdade de gênero, a ONU Mulher. Hunt gerencia a equipe de criação.
Os anúncios -no início apenas digitais- evidenciam o sexismo e o preconceito contra mulher em voga ainda hoje, 34 anos após a promulgação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979.
Divulgação |
CHOQUE DE REALIDADE
Entre os principais resultados, estão frases como "mulheres não podem falar na igreja" e "mulheres precisam ser disciplinadas".
"Para nós, foi um choque de realidade", admite Nannette Braun, chefe de cam-
panha da ONU Mulher nos
Estados Unidos.
panha da ONU Mulher nos
Estados Unidos.
"Não imaginávamos que, ainda hoje, haveria um sentimento público tão estereotipado em relação a 50% da população mundial", diz.
Segundo Braun, os anúncios se tornaram um viral nas redes sociais, o que levou o debate da discriminação contra a mulher a uma audiência global. No Instagram e no Twitter, é possível acompanhar a discussão por meio da "hashtag" #womenshould.
"Depois de décadas de campanhas e debates sobre os direitos das mulheres, é perturbador perceber, a partir do resultado dessas pesquisas, que ainda temos um longo caminho a percorrer", conclui ela.
SEXISMO LOCAL
Em português, a pesquisa dessas frases não enseja nenhuma sugestão do Google baseada nas buscas mais populares realizadas no Brasil.
A sugestão emerge apenas quando o termo pesquisado é "mulherada". Seus complementos? "Bonita", "de moto" e "tá na lancha".
"Mulherada de moto" leva a links de garotas dançando funk em festivais de motociclistas pelo Brasil.
"Mulherada tá na lancha" é título de canção de arrocha (ritmo baiano derivado do brega e do sertanejo), cujo refrão de duplo sentido -"toma na boquinha"- acompanha versos como "a mulherada tá bebendo igual os hómi".
"O sexismo se expressa de muitas maneiras, de acordo com cada país e cada cultura", avalia Braun. "O resultado da pesquisa no Brasil me parece apenas mais uma de suas expressões", diz.
A busca usando as mesmas frases, mas com a palavra "homem" como sujeito, traz resultados que vão desde "homem não pode ser bonzinho" e "não pode chorar" até "homem não pode se deitar com outro homem".
O preconceito e a intolerância que esse senso comum -representado pelos termos mais pesquisados no site- revela, não poupa nem seu hospedeiro: ao digitar "Google" no campo de busca da página, a primeira sugestão que surge é "é um lixo".
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