ELIANA AZEVEDO, CECILIA HERZOG E JULIO PASTORE
A profissão de paisagista deve ser autônoma?
Paisagens que queremos ter
SIM
A importância do paisagismo, ou arquitetura paisagística, cresce frente aos desafios que o uso inadequado e intensivo de recursos naturais finitos tem ocasionado.
Está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 2.043/11, que visa regulamentar a profissão de paisagista e fomentar o ensino superior nessa área.
Essa profissão é reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho e teve sua autonomia reafirmada pela Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas e a União Internacional de Arquitetos.
Alemanha, Canadá, França, Portugal, Estados Unidos, Austrália, China, México e África do Sul têm a profissão regulamentada e formação universitária específica.
No Brasil, porém, ela não se encontra regulamentada. Isso causa perplexidade diante de nossas cidades muitas vezes mal arborizadas, cada vez mais quentes, com alagamentos, desmoronamentos de encostas e péssima qualidade do ar.
Essas são algumas das consequências de um modelo de desenvolvimento que por anos desconsiderou o ambiente e a paisagem. As contas estão sendo feitas e incorporadas aos orçamentos urbanos, e a população arca com os custos.
Áreas verdes urbanas, públicas ou privadas, jardins, praças, parques e reservas naturais, fundos de vale, todos são estratégicos para a qualidade da vida e do ambiente.
A história do paisagismo no Brasil teve e tem expoentes oriundos de diversos campos. Arquitetos, agrônomos, mas também engenheiros e biólogos. Burle Marx, nossa maior referência, era artista plástico.
Apesar de o ensino nessa área ser reconhecido pelo Ministério da Educação em nível técnico, tecnológico e superior, temos apenas uma graduação em paisagismo --na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A escassez de oferta ocorre porque egressos desse curso têm sido acusados de exercício ilegal da profissão pelos conselhos profissionais da arquitetura e da engenharia e agronomia (CAU e Confea). Ambos se opuseram ao PL com o mesmo argumento: o paisagismo seria uma área característica de seus profissionais (arquitetos de um lado, agrônomos e engenheiros florestais de outro). Note-se que o PL preserva o direito das demais categorias a atuar na área do paisagismo, além de incentivar a pós-graduação para profissionais formados em áreas afins.
A profissão de paisagista tem suas atribuições repartidas entre várias categorias. Nenhuma delas, porém, abrange a totalidade dos conhecimentos que compõem seu campo e não dedicam mais do que 8% de seus cursos a conteúdos específicos da área. O paisagista, quando formado em graduação específica, recebe conhecimentos das ciências naturais (botânica, ciências do solo, climatologia, ambiente), técnicos (projeto construtivo) e artísticos.
Reconhecer a autonomia e a interdisciplinaridade desse campo de saber é necessário para a expansão e ampla instituição de um corpo acadêmico próprio. Programas de graduação e pós-graduação dedicados ao paisagismo são o modo mais eficiente para fortalecer os conhecimentos técnicos e teóricos.
O objetivo é, afinal, formar paisagistas plenamente capacitados. De outro modo, a sociedade é prejudicada, por não poder contar com profissionais capacitados em área fundamental para contribuir para um futuro com cidades mais saudáveis.
A Comissão de Educação da Câmara aprovou, por unanimidade, o PL nº 2.043/2011 na semana passada. A sociedade deve se informar e tomar partido, ao risco de ter seus interesses subjugados por outros certamente menos representativos.
O Brasil precisa regulamentar a profissão de paisagista.
JOSÉ ARMÊNIO DE BRITO CRUZ
A profissão de paisagista deve ser autônoma?
Profissional generalista
NÃO
O desenho da paisagem demanda uma abordagem globalizante, generalista, natural ao arquiteto. O profissional que pensa a paisagem deve considerar todos os seus componentes, naturais e antrópicos e também os culturais e artísticos.
A escola que garante essa formação é a de arquitetura e urbanismo. O Brasil tem hoje 311 delas, que formam profissionais de diversas especialidades, inclusive a de paisagista. O paisagismo, por tanto, já está regulamentado. Não é preciso criar mais uma especialidade.
Para além da discussão de classe, muitas vezes revestida de argumentações com tonalidades de proteção de mercado, é necessária uma reflexão sobre a demanda do país neste momento e o caminho da pesquisa, da ciência e da arte no mundo. O conhecimento não é uma estante de pacotes fechados de diversas especialidades. A integração é a perspectiva.
Envolvido em um projeto de um laboratório cujo tema era a sustentabilidade, tive a oportunidade de, por meio de pesquisa internacional, tomar contato com os centros de pesquisa mais avançados do mundo. Chamou-me a atenção um laboratório na Inglaterra no qual cientistas da oceanografia dividiam a bancada de trabalho com engenheiros eletrônicos e biólogos. Eles estudam a influência das marés na vida marinha por meio de um monitoramento conduzido por circuitos eletrônicos. A interdisciplinaridade é, pois, a base de seu trabalho.
A paisagem tem essa característica agregadora. O desafio no planejamento e na construção do território nacional é justamente o da integração das disciplinas. As vocações pessoais, assim como o direcionamento na formação e exercício profissional, encontram espaço dentro da escola de arquitetura, que garante a formação global inclusive para as corretas escolhas individuais.
Em vez de discutir um projeto de lei (PL nº 2.043 de 2011) que direcionará recursos para uma especialidade equivocada na sua origem, deveríamos discutir formas para que os recursos investidos nas escolas de arquitetura e empreendidos por inúmeras pesquisas de arquitetos, inclusive arquitetos paisagistas, tragam retorno ao país.
O território brasileiro desconhece o planejamento, e não será a oficialização de um especialista que garantirá a mudança necessária. Não se deve evitar a contaminação, positiva, do pensamento universal na administração pública e nas decisões privadas afeitas ao território.
Em um projeto paisagístico, o conhecimento sobre transportes, urbanismo e infraestrutura é tão importante quanto o da biologia --da flora, da fauna e do clima. É a integração que garante a qualidade do projeto, não a especialização.
Em 2012, começou a funcionar o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), entidade que regulamenta e fiscaliza a profissão do arquiteto. Sua resolução número 51, de julho de 2013, que dispõe sobre as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas, coloca a arquitetura paisagística no escopo da atuação de seus profissionais.
A criação do conselho é baseada na definição do arquiteto e urbanista como categoria uniprofissional, de formação generalista, cujas atividades, atribuições e campos de atuação encontram-se discriminados no art. 2º da lei nº 12.378 de 31 de dezembro de 2010 e garante o sentido globalizante da formação do arquiteto.
A aproximação do ensino de arquitetura das necessidades do país por meio de sua qualificação e atendimento às demandas da população é o que realmente deveríamos discutir. A qualificação da vida nas nossas cidades só será alcançada por meio do resgate do que essa peculiar forma de conhecimento --a arquitetura-- tem a contribuir.
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