Homens trabalhando
O que é um operário em construção diante de uma Copa, diante de um investimento milionário?
Um operário não, dois, mas poderiam ser dez, tudo daria no mesmo, nas arenas já são quatro, cumpram-se as honras de praxe, as homenagens no jogo, aí pergunto, cá do meu romantismo babaca envelhecido em barris de descrença: quantos minutos de silêncio vale uma vida sob os escombros?
Um operário custa menos que meia hora do gasto com o gerenciamento da imagem dos empreiteiros e dos"cabras sem vergonha", como disse o irmão de uma das vítimas. Zelar pela imagem custa na proporção da cara de pau dos envolvidos, aí incluso o sinto muito, o cinismo, o buquê para as viúvas, os despachos burocráticos de rotina e o falso luto das autoridades.
O que vale é a imagem do Brasil lá fora. A preocupação é com o susto do mundo diante da tragédia de Itaquera. Um operário morto em uma arena ainda vale o barulho em torno da Copa. Um operário em construção comum, um prédio, uma estrada, caro Vinicius, não vale uma marmita, não vale um minuto de reza.
Os operários da bola, velho Vinicius, aprenderam a dizer "não", acredite. A turma do Bom Senso F.C. andou prometendo greve para esta rodada, diante da antiga safadeza dos salários atrasados, a praxe. Que vergonha, Clube Náutico Capibaribe, quanta história de "elite" para acabar assim uma temporada.
Óbvio que se trata de um segmento privilegiado dos atletas que organiza o movimento, mas não se nega o avanço, alvíssaras, é o pontapé inicial na história. O Bom Senso promete descer com o seu protesto ao rés do chão de todas as divisões do futebol pentacampeão do mundo que chega a mais uma Copa do Mundo imbatível em suas contradições econômicas.
Sim, caro Vinicius, homens trabalhando por melhores condições de uma categoria que historicamente não se mexe, resguardadas as ações de um Afonsinho, o pioneiro do passe livre ainda nos anos 1970, a missão de uma certa Democracia Corintiana do doutor Sócrates e outros raríssimos levantes.
Estas são as notícias, poeta, queria apenas relembrar de novo teu centenário e fazer bom uso, nesta crônica com sangue de arena nos olhos, do teu lirismo de classe.
VERBETE FINAL
Nós, os normais e as normalistas, já gastamos todos os verbos para falar de Nilton Santos. Invoco, pois, o cronista botafoguense Paulo Mendes Campos, no seu "Diário da Tarde" para tratar do gênio que se foi:
"Nilton Santos confia na bola; a bola confia em Nilton Santos; Nilton Santos ama a bola; a bola ama Nilton Santos. Também, nesse clima de devoção mútua não pode haver problema."
@xicosa
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